- Vai comprar o pão, menino! Disse minha mãe.
E lá ia eu para a padaria cumprir minha rotina e comprar dez pães doces, dois pães d’água e alguma bobagem pra mim. A bobagem variava entre um pedaço de bolo, de rocambole ou um sonho que eu ia comendo no caminho de volta pra casa. Numa mão os pães e na outra a minha bobagem.
Encostei-me no balcão e pedi o de sempre, repetindo a lista de compras. Nesse dia foram dez pães doces, dois pães d’água e um sonho. Com as mãos sobre a vitrine, esperando a moça empacotar o meu pedido, observei que ela colocara doze pães doces e não dez. Um pouco atônito, observei que a moça anotou no caderno de fiados da padaria, na página referente ao meu pai, o valor de apenas dez pães e não doze.
Ela me deu meu pacote com o sorriso de sempre e eu o recebi gelado, olhando-a nos olhos. Eu estava com um gostinho de vitória que nunca havia sentido antes. Um sentimento de conquista, por ter ganhado dois pães a mais sem pagar nada por isso. Peguei o pacote e voltei correndo pra casa. Numa mão o pacote, na outra o meu sonho, que eu comia com mais felicidade do que a de costume.
Em casa, mãe percebeu minha euforia ao chegar da padaria e já foi logo perguntando o que havia acontecido.
- A burra da padaria anotou só dez pães mas colocou doze no pacote! Falei sorrindo, com a alegria de um campeão.
Imediatamente, o sorriso da minha mãe, que acompanhava o meu, foi se fechando, se transformando numa expressão de desgosto, tristeza e raiva.
- Volte com o pacote, devolva os dois pães que não são nossos. A-go-ra! Minha mãe falou com a mansidão de quem está prestes a explodir.
Ela não precisou dizer mais nada e em menos de um minuto eu já estava na padaria.
- Moça, você colocou doze pães e não dez como você anotou. Falei muito envergonhado, sem lembrar que ela nem imaginava que eu havia percebido o erro ainda na padaria.
Aí o momento mágico aconteceu. Ela sorriu surpresa, deu a volta no balcão, recebeu o pacote e passou a mão no meu rosto, agradecendo. Tirou os dois pães e depois me devolveu o pacote, falando que o que eu tinha feito era muito bonito.
Saí com a consciência bem pesada, sensação que naquele momento eu percebi que é a pior que um ser humano pode passar. Prometi a mim mesmo que não queria mais passar por aquilo, por nenhum preço.
A atitude da moça da padaria foi importantíssima pra mim. Fez a diferença. E minha mãe... é minha mãe, né?