12 de fevereiro de 2011

Minha vó e a chuva

Na minha infância fui, muitas vezes, à beira de um rio que ficava a cerca de 5km da minha casa, com uma "roladeira" pegar água. Ao retornar, passar a água da roladeira para os potes que ficavam nos banheiros, na cozinha e no quintal.
Água não erá fácil. Hoje, a situação melhorou muito, mas ainda há muitas localidades que dependem muito das chuvas. Na verdade, todos nós dependemos muito da chuva, mas há pessoas que dependem mais que as outras por não morarem onde há sistema de abastecimento.


Ainda há quem vá pegar água na beira do rio com roladeiras, baldes, reservatórios... a luta é enorme.

No entanto, quando era eu o 'motorista' da roladeira, não fazia a menor ideia da importância que aquela água tinha. Graças a Deus, nunca passamos sede em casa, sempre havia um riozinho por perto. Mas não é assim pra todas as pessoas.

Não foi assim pra minha vó paterna.

Após um período grave de seca, houve um dia que choveu muito. As ruas estavam alagadas, com muita lama, cheias de poças, barro... era impossível sair de casa e não se sujar. Fui visitar meus avós nesse dia e, ao chegar, comentei alto que "chover era péssimo e só servia para deixar a gente sujo de lama".

Minha vó interrompeu o que estava fazendo e me chamou:

- Olhe aqui: na próxima vez que você disser isso, eu vou bater na sua boca. Você sabia que tinha muita gente implorando por essa chuva? Você já passou sede? Eu devia deixar você um dia inteiro sem beber água pra ver se você aguenta. E agora vem você reclamar de estar sujo com lama? Nunca mais diga isso.

Naquela hora eu não entendi muito bem, mas nunca mais esqueci disso. Nunca mais falei mal de chuva e nem de lama nenhuma. Com o tempo eu fui entendendo o porquê dessa bronca que minha vó me deu, com toda razão. Através do meu trabalho, conheço realidades semelhantes à minha e outras muito piores. Aprendi que uma laminha na calça não é nada, diante de alguém que está com sede, sem água em casa. Concluí inclusive que passar sede é pior do que passar fome.

Em toda chuva que dá e em cada obstáculo que ela parece me proporcionar, eu vejo você, vó, dando-me força e consciência. Saudade.