23 de abril de 2010

Dois pães

- Vai comprar o pão, menino! Disse minha mãe.

E lá ia eu para a padaria cumprir minha rotina e comprar dez pães doces, dois pães d’água e alguma bobagem pra mim. A bobagem variava entre um pedaço de bolo, de rocambole ou um sonho que eu ia comendo no caminho de volta pra casa. Numa mão os pães e na outra a minha bobagem.

Encostei-me no balcão e pedi o de sempre, repetindo a lista de compras. Nesse dia foram dez pães doces, dois pães d’água e um sonho. Com as mãos sobre a vitrine, esperando a moça empacotar o meu pedido, observei que ela colocara doze pães doces e não dez. Um pouco atônito, observei que a moça anotou no caderno de fiados da padaria, na página referente ao meu pai, o valor de apenas dez pães e não doze.

Ela me deu meu pacote com o sorriso de sempre e eu o recebi gelado, olhando-a nos olhos. Eu estava com um gostinho de vitória que nunca havia sentido antes. Um sentimento de conquista, por ter ganhado dois pães a mais sem pagar nada por isso. Peguei o pacote e voltei correndo pra casa. Numa mão o pacote, na outra o meu sonho, que eu comia com mais felicidade do que a de costume.

Em casa, mãe percebeu minha euforia ao chegar da padaria e já foi logo perguntando o que havia acontecido.

- A burra da padaria anotou só dez pães mas colocou doze no pacote! Falei sorrindo, com a alegria de um campeão.

Imediatamente, o sorriso da minha mãe, que acompanhava o meu, foi se fechando, se transformando numa expressão de desgosto, tristeza e raiva.

- Volte com o pacote, devolva os dois pães que não são nossos. A-go-ra! Minha mãe falou com a mansidão de quem está prestes a explodir.

Ela não precisou dizer mais nada e em menos de um minuto eu já estava na padaria.

- Moça, você colocou doze pães e não dez como você anotou. Falei muito envergonhado, sem lembrar que ela nem imaginava que eu havia percebido o erro ainda na padaria.

Aí o momento mágico aconteceu. Ela sorriu surpresa, deu a volta no balcão, recebeu o pacote e passou a mão no meu rosto, agradecendo. Tirou os dois pães e depois me devolveu o pacote, falando que o que eu tinha feito era muito bonito.

Saí com a consciência bem pesada, sensação que naquele momento eu percebi que é a pior que um ser humano pode passar. Prometi a mim mesmo que não queria mais passar por aquilo, por nenhum preço.

A atitude da moça da padaria foi importantíssima pra mim. Fez a diferença. E minha mãe... é minha mãe, né?

15 comentários:

  1. Com você é sempre uma lição hein, Professor!!!

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  2. Então, bom seria se todos tivessem "mães" e moças da padaria. O mundo seria bem melhor, né?

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  3. É assim que começamos para a vida e para o mundo.Dois pãezinhos fazem toda a diferença para o resto da vida.

    Bom final de semana.

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  4. Um belo texto, singelo e tocante! Parabéns!

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  5. Ahhh que história lindaaa. Comigo acontece direto com dinheiro... Ja nem ligo mais se a pessoa agradece hahahahaha
    bjos!

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  6. Belo exemplo de educação da sua mãe! E hoje já adulto tenho certeza q vc ensinará o mesmo para suas filhas!! Não precisaríamos de pedagogos, psicopedagogos, psicólogos, se todas as mães educassem seus filhos assim!!! Parabéns !!!

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  7. Linda postagem!
    Sua mãe é com certeza uma daquelas mães más (se é que você conhece a teoria das mães más)
    são elas que nos tornam pessoas dignas.
    sempre admirarei mães tão más quanto a sua.

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  8. Esse tipo de coisa marca, né?

    Nunca me esqueço de uma vez que eu estava na casa da minha dinda brincando com a filha dela (nos criamos juntas, como irmãs, ela tem a mesma idade que eu) e numa de nossas brincadeiras eu sem querer rasguei um vestido dela. Ela ficou apavorada, porque o vestido era novo e tinha custado caro, e agora ela ia levar bronca da mãe. Eu saí do quarto, fui até o quarto da minha dinda, entrei de cabeça baixa e vermelha, morrendo de medo e vergonha, mas disse:

    - Dinda, fui eu que rasguei o vestido novo da Gabi, não briga com ela, tá?

    Ela sorriu pra mim como nunca havia sorrido, levantou meu rosto, me deu um beijo e disse para eu ir brincar. Devia ter uns 7 anos e nunca me esqueci disso.

    Bjs!

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  9. Ótima lição! Quem dera que todas as mães fossem como a sua!

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  10. Cara! Você me fez relembrar do meu lugarejozinho, láaaa no extremo sul da Bahia, no Município de Porto Seguro. Eu sempre ia comprar pão, na venda do finado Valdechi, que sempre oferecia balas doces, de cortezia. Ai ai...

    Sem falar na lição!

    Muito bom texto!

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  11. Muito legais seus textos, gostei daqui, venho mais vezes!
    =)

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  12. Você escreve muito bem.
    Consegue se expressar, tem simplicidade e honestidade. Legal. ;)
    Comigo já aconteceu algo BEM parecido e minha mãe fez o mesmo.
    Essas sim são as boas mães. :)

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  13. Eu tinha uns oito anos quando aconteceu comigo. Não foram 2 pães a mais, mas sim um erro no troco. Voltava 'mais rica' do que tinha ido.

    O curioso da minha minha história é q não era minha mãe q me esperava em casa na volta da padaria, mas sim o meu pai.

    Meu pai pura incoerência! Bom vivant, jogador, pode-se até dizer bem malandro (abaixo disso caberia mal pôr aqui). Com boa lábia e manipulação levava sempre a água a seu moinho, por assim dizer. Repito que mais explícito que isso não fica bem a uma filha falar em público, quanto menos o mesmo já não estar a modo de se manifestar.

    Mas da mesma forma ouvi o "A-go-ra!"
    Porém acrescido do seu eterno "Faça o que eu digo não faça o que eu faço!" e lá fui eu num vôo devolver o que não era meu.

    Foi ele, mesmo com suas 'desventuras, faltas de honestidades e loucuras', quem incutiu e exigiu dos filhos os mais firmes valores e princípios morais, éticos e cívicos. Era cheio de amor pra dar.

    Hoje fico indignada com a admiração generalizada q tanto manifestam à mínima demonstração de princípios.
    Por onde andam 'essas mães', 'esses pais'?

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  14. Isso é muito importante, eu também tenho uma história real : Eu mandei meu filho comprar algo no mercado próximo da minha casa, e ele foi . ao chegar em casa meu outro filho me falou que ele tinha pego um doce e não pagou em seguida fui com ele e mandei que o devolvesse e pedisse desculpas, e com a voz baixa ele pediu , mandei que pedisse novamente em voz alta e ele pediu em voz alta quase chorando. Eu olhei para o balconista que por sinal é o dono e falei com ele que isso nunca iria acontecer , agradeci a atenção e me retirei
    Mais deixei um lição para meu filho que devemos pagar por tudo aquilo que pegamos
    Alex Alves da cidade de Ipiaú-BA (face): ebfalex@hotmail.com

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